Para falarmos sobre o impacto da taxa Selic na vida das imobiliárias, precisamos antes entender o quê e o porquê dessa taxa variar. A taxa básica de juros da economia (Selic) é estipulada pelo Comitê de Política Monetária do Banco Central. Essa taxa é atrelada aos títulos da dívida pública que são vendidos pelo Tesouro Nacional.
A captação desse recurso fomentou diversos setores da economia, pois a quantia arrecadada é destinada à saúde, educação, segurança e outras áreas que contemplam o gasto público, além de uma possível rolagem das dívidas do governo, ou seja, contrair mais dívida com novas emissões de títulos para pagar os anteriores.
Selic e Comitê de Política Monetária (COPOM)
O Comitê de Política Monetária (COPOM), mencionado acima, é um órgão do Banco Central (BACEN) que tem como função a elevação ou a diminuição da Selic. O Banco Central tem um sistema de modelagem matemática da inflação — calculada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), onde é estipulada uma meta de inflação ao longo dos próximos anos.
Caso não tenha nenhuma crise no sistema financeiro, o COPOM estabelece o futuro da Selic a cada 45 dias; em caso de crise, como esta que estamos vivendo, o BACEN elabora novos estudos para recalcular a meta da inflação. A taxa Selic persegue a inflação para contê-la e não deixar que o juros real fique negativo. O juros real é um indicador importante para quem realiza investimentos, principalmente no setor bancário e imobiliário.
O setor bancário realiza empréstimos atrelando a taxa do financiamento à taxa Selic ou a outras taxas como IPCA e IGP-M, sendo assim, quando a inflação está alta e a Selic baixa, tanto o banco como a pessoa física que pegou o empréstimo veem seu patrimônio encolher e seu poder de compra diminuir, pois os bancos ganham com os chamados spreads bancários, que é a taxa de empréstimo que o banco cobra pelo risco futuro do financiamento acrescida da Selic.
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Selic e impactos no ramo imobiliário
No segmento imobiliário, podemos enxergar duas formas de impacto da Selic:
- A primeira atrelada ao valuation do empreendimento, não sendo bom para a imobiliária investir seu patrimônio tendo em vista a taxa de juros mais alta. Desse modo, o valor Presente (VP) e o Valor Presente Líquido (VPL) do empreendimento serão menores enquanto a alta de juros imperar no país;
- Já a segunda, os empréstimos à pessoa física ficariam prejudicados e os bancos passariam a financiar com spreads mais altos.
Sendo assim, para um empreendimento, o VPL é fundamental na tomada de decisão, ele é calculado com base no fluxo de caixa do investimento. O valor presente líquido é o somatório dos fluxos de caixa em razão da taxa de juros do projeto ao longo do investimento. Caso o investimento demande uma taxa mais alta — o que pode vir a acontecer com a alta nos juros, o VLP pode vir a zerar ou ficar negativo, não sendo positivo para a construtora na hora de realizar o empreendimento.
Outro fator importante a ser considerado é que a alta dos juros impacta a pessoa física na hora de escolher um imóvel. Para comprar sua casa, você precisa ou pagar o valor à vista ou financiar esse valor a uma determinada taxa, não é? Então, essa taxa imposta no valor do financiamento é baseada na famosa Selic que já comentei com vocês.
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Revisitando o passado
O ano de 2020 foi um ano onde conseguimos ver esse fenômeno com mais clareza. Apesar de ter sido um ano ruim para alguns segmentos como bares e restaurantes, para o setor imobiliário e de construção foi um ano de muito lucro. A crise sanitária que afetou o Brasil e o mundo, fez com que a taxa de juros arrefecesse comparada aos anos anteriores, fazendo grande sucesso nas corretoras de imóveis. Segundo dados do Banco Central, o financiamento imobiliário atingiu o recorde de quase R$700 bilhões no terceiro trimestre de 2020.
Um outro impacto que temos com a diminuição da Selic em 2020 é a corrida para o setor de construção, as construtoras viram os preços dos materiais subirem 8,81% no ano de 2020 e 11,73% no acumulado de 2021. Esse aumento nos preços tem relação com a facilidade de financiar os empréstimos imobiliários que citei acima. Mesmo não sendo favorável aos empresários do setor de construção esse aumento dos preços, o setor imobiliário mantém estabilidade na demanda por novos empreendimentos e traz equilíbrio para as construtoras.
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Mas como nem tudo são flores, temos que olhar para o outro lado da moeda, onde o favorecimento ao crédito e a possibilidade de compra de imóveis tornou-se deletério ao sistema financeiro. Em 1998, com a possibilidade de crédito fácil e sem uma prévia análise de quanto o cidadão ganhava, bancos americanos favoreciam o financiamento de inúmeros imóveis.
Com o aumento da procura, os valores dos imóveis se valorizaram e a taxa de juros cobrada anteriormente já não era a mesma. Com esse aumento do preço dos imóveis, aumento da inflação e da taxa de juros do financiamento ao longo dos anos, milhares de cidadãos americanos não conseguiram quitar a dívida com os bancos, o que acarretou em uma das maiores crises imobiliárias do mundo.
A crise chegou ao ápice em 2008 com o decreto de falência do importante banco Lehman Brothers, que reverberou para outros setores da economia, causando uma das maiores crises dos EUA.
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Conclusão
O que podemos enxergar com essa crise é que nem sempre a possibilidade de crédito ajuda, precisamos estar atento ao futuro das dívidas e às taxas incidentes ao decorrer do financiamento. Caso o banco ofereça uma taxa fixa, precisamos atentar ao possível aumento da inflação e da curva de juros dos próximos anos, a fim de verificar se o financiamento é o melhor a ser realizado no momento.
Em suma, caso as taxas venham a diminuir, talvez seja mais interessante atrelar o financiamento à Selic ou à inflação. Historicamente, no Brasil as taxas são altas e, para obter um bom financiamento, é preciso saber o momento certo de entrar.