Em janeiro, o Ibovespa, índice da bolsa brasileira, batia a máxima histórica. O país saiu de uma grande recessão, empresas estão voltando a se tornar lucrativas e suas ações estão subindo. Os restaurantes e cafeterias da Faria Lima (ou Condado), coração do mercado financeiro, estão cheios.
Geralmente, algumas conversas são pautadas em quanto se ganhou no mês, seja em bônus ou na valorização das ações compradas. Um ou outro se vangloria dos seus ganhos, começa a falar sobre como é inteligente e acima da média.
Bull market é sempre assim, em qualquer mercado, em qualquer época. O comportamento humano nessas circunstâncias é o mesmo: ficamos gananciosos, perdemos qualquer inibição ou medo e tendemos a virar gênios.
As dinâmicas de um bull market
Especialmente no Brasil, os grandes ciclos de alta da bolsa sempre estiveram alinhados com a situação político-econômica do país somada às expectativas para o futuro. Quando tudo está ótimo, a tendência é que as ações e outros ativos financeiros passem por grande valorização.
De modo geral, uma grande parte das ações listadas na bolsa começam a subir, com exceções de uma ou outra, que é quando uma empresa não consegue aproveitar o bom momento. Logo, quem compra ações na recuperação econômica começa a ganhar um bom dinheiro.
Obviamente, as histórias de pessoas ficando ricas e ganhando dinheiro acabam chamando atenção. Quem está na renda fixa começa a tirar dinheiro de lá e ir para o mercado de ações. Dessa forma, corretoras, bancos, gestoras de fundos e casas de análise começam a ganhar bastante dinheiro com clientes.
A bolsa está em alta, todos em festa, e não demora muito para aparecer o “Super Trader” que ficou milionário com day trading, ou aqueles e-mails com o título de “Oportunidade imperdível” de algum gênio que encontrou um método de ganhar muito dinheiro com bolsa de valores.
Ninguém é especial
Quando estamos ganhando dinheiro em um ciclo de alta tendemos a acreditar que somos pessoas extremamente acima da média, o que não é o retrato mais fidedigno da realidade.
Se analisarmos o retorno de todas as carteiras de todas as pessoas no mercado, verá que ela seguirá uma ordem de distribuição normal, o que dará em uma curva assim:
O que isso quer dizer? De modo geral, mais pessoas ficarão próximas ao retorno médio de todas as carteiras do mercado. Pouquíssimas carteiras terão um desempenho extraordinariamente acima ou abaixo do mercado.
Entre os “outliers” provavelmente estarão os mais competentes e sortudos, ou aquelas pessoas que tiveram um prejuízo gigantesco.
A menos que uma pessoa que tenha um grande conhecimento em gestão de risco, diversificação portfólio e análise fundamentalista, dificilmente estará acima da média, a não ser por pura sorte.
Acontece que, em um mercado de alta, ficamos iludidos com uma alta generalizada de ativos que fazem parte do mesmo mercado.
De forma que, a compra de qualquer ação pode vir a dar dinheiro. Mesmo que se tenha grandes retornos, dificilmente uma pessoa estará sendo acima da média do mercado, pois apenas estará seguindo o ciclo.
A bolha das criptomoedas
Essa bolha em particular foi bem curiosa. Em menos de 1 ano, o Bitcoin e outras criptomoedas concentraram a maior quantidade de gênios e pessoas acima da média do que uma aula na Harvard Business School. Algumas pessoas ali sabiam de tudo e não toleravam qualquer questionamento.
Se você compra um ativo que sobe 100%, depois mais 200% não ficaria se sentindo muito inteligente? O problema é que no bull market, qualquer racionalidade ou resquício de humildade é substituído por ganância e arrogância. De uma hora para a outra, algumas pessoas sabem mais sobre investimentos e finanças do que Warren Buffett.
Geralmente, a aparição de “gênios” e “evangelizadores” é o primeiro sinal de que já está na hora de começar a vender e pular fora. Essas dinâmicas sempre se repetem, em qualquer século, qualquer mercado e qualquer lugar. A ilusão do bull market é quase uma lei atemporal, só olhar para a história: crash de 29, bolha das pontocom, crise do subprime em 2008.
O melhor sinal de venda da história
A “histeria coletiva” é um dos sinais mais claros de venda para quem está exposto em renda variável. Geralmente, isso é perceptível quando aquele amigo seu que nunca se importou em investir começa a falar que ganhou 200% em alguma operação, mesmo que não tenha experiência para isso.
Óbvio, pessoas aprendem e mudam de interesse com o passar dos anos. Mas pensar que uma pessoa virou um gênio das finanças com menos de 1 mês já é algo que deixa de ser razoável. Esse é um sinal claro de alerta. Outro bom indicador é de quando sair alguma matéria no Fantástico: “Veja quem ficou rico com investimento X ou Y”.
Uma história divertida para exemplificar isso é a história do engraxate. Joseph Kennedy, pai do ex-presidente John Kennedy, contou que vendeu tudo que tinha antes do grande Crash da bolsa de valores em 1929.
Ele tinha ido engraxar seu sapato, quando se viu, estava recebendo conselhos de investimentos de seu engraxate. Quando chegou no escritório, mandou vender tudo, pois achava que tinha algo de errado no mercado.
A questão não é a profissão do rapaz. Se fosse por isso, essa seria uma história com um tom de discriminação. O problema aqui é a questão de momento, observar todo o contexto de um ângulo mais distante, sempre se atendo ao discurso que está sendo falado.
Principalmente com a democratização de produtos financeiros, ficará mais comum ouvir pessoas de diferentes classes sociais falando sobre investimentos. O problema, novamente, é o modo que esse discurso está sendo feito.
Geralmente, é aquele discurso apaixonado ou “evangelizador”. “Todos vamos ficar ricos”, “Estamos diante de um novo paradigma”, “Vamos revolucionar…”. Essa foi uma histeria que presenciei no mercado de criptomoedas em 2017, mas que não é exclusiva apenas desta classe de ativos.
A bênção do ceticismo no bull market
O efeito manada também é outra “Lei Universal” dos mercados. Ninguém move preço como uma massa de investidores gananciosos sem senso crítico. Foi assim em 1929, em 2008 antes da crise do subprime e na “mania” das criptomoedas.
Se todos os mercados estão suscetíveis a estes efeitos, então você deveria se afastar deles? Claro que não, é perfeitamente possível aproveitar o ciclo de alta e obter um ótimo retorno. A questão aqui é não se deixar levar pela manada, ou se apegar ao ativo. O recado é bem claro: há assimetria?
Se sim, explore ela e vá embora em busca da próxima oportunidade. Caso contrário, você poderá ser mais um na manada indo em direção ao abismo, que é quando chega o bear market, e quando ele “dá as caras” só deixa quem estava preparado.