A Escola Austríaca de Economia possui um dos arcabouços teóricos mais completos entre todas as escolas econômicas. Seus estudos abrangem filosofia, passa pela sociologia e direito, até chegar em uma teoria econômica sobre moeda, juros, capital e ciclos.
Não vou entrar em detalhes nas demais áreas que a Escola Austríaca estuda, até porque são muitas. Vou focar em uma teoria em específico: Teoria Austríaca dos Ciclos Econômicos. Essa teoria busca compreender os ciclos da economia e dos mercados.
Uma breve introdução sobre ciclos econômicos
Os ciclos econômicos são desencadeados quando há descompasso entre oferta e demanda. Os governos manipulam a taxa de juros para incentivar a atividade econômica e os juros são responsáveis por coordenar a estrutura de produção ao longo do tempo.
Se essa função coordenadora é perturbada, a produção descola da real demanda dos consumidores na economia a curto prazo.
Com juros baixos, empresários voltam sua produção para processos mais complexos que exigem uma grande quantidade de capital para serem concluídos. Os trabalhadores voltam o consumo para o curto prazo diante de maior renda. Esse descompasso cria escassez de produtos a curto prazo, o que ocasiona um aumento de preços generalizado.
O governo aumenta a taxa de juros para tentar controlar a inflação e retira liquidez do sistema econômico. Trabalhadores e empresários brigam por liquidez como forma de obter novos empréstimos. Quando obter novo capital fica muito caro, os empresários percebem que erraram na avaliação dos investimentos, demitem funcionários e liquidam esses investimentos.
A renda dos trabalhadores diminui, a atividade econômica também. Isso leva esse ciclo econômico para uma espiral. Os governos podem tentar quebrar essa espiral com políticas de incentivo, mas distorcem ainda mais a estrutura de preços, produção e mercado de capitais. O ciclo chega ao fim quando os ajustes via mercado são feitos e a economia começa a se recuperar aos poucos.
Os três estágios do ciclo
Vamos apelidar essa teoria de TACE, até para facilitar. A teoria separa o ciclo de uma economia em três estágios: boom, burst e depression. No boom, a economia está crescendo, a renda das famílias está subindo, as empresas estão contratando e aumentando o investimento em capital. A lucratividade sobe e a bolsa começa a esboçar alta, juros caminham para uma baixa. O consumo de bens e serviços está em alta.
A economia começa a dar sinais de exaustão no burst. A inflação começa a subir, o governo aumenta os juros para controlar a alta dos preços e a economia não consegue crescer. O setor de serviços e de bens de consumo durável (venda de carros e móveis das Casas Bahia) começa a apresentar pioras. Esse é o estágio que precede a depressão econômica.
Na depressão econômica o desemprego está em alta, as bolsas estão em baixa, muitas empresas vão à falência, a renda das famílias diminui e os juros sobem. O índice de consumo de bens e serviços fica completamente deteriorado. Em alguns casos, a economia passa até por deflação (o contrário da inflação) porque os preços começam a cair por falta de procura. A bolsa chega ao fundo do poço.
Como investir nos estágios dos ciclos econômicos?
É preciso ter uma visão macro muito boa. O “timing” dessa teoria também é complicado de colocar em prática, porque é preciso ser muito racional para não enviesar a avaliação na hora de tomar qualquer tipo de decisão. O que precisa ser feito é prestar atenção em indicadores de consumo de bens e serviços, crescimento de indústria, inflação e taxa de juros.
A ideia é utilizar a teoria dos Ciclos Econômicos para tomar melhores decisões ao investir. É preciso ter uma visão de antecedência para chegar nas melhores ações antes do mercado. Não adianta muito entrar no mercado depois que o fato já aconteceu, porque os mercados são relativamente eficientes.
Se PIB e consumo ainda não cresceram de forma consistente e a taxa de juros está caindo diante de uma baixa inflação, o momento pode ser um momento favorável para investir em ações.
O mercado vai procurar as ações de empresas com melhores fundamentos e começar a precificá-las, algumas ações tendem a ficar caras. A bolsa começa a subir, o que representa um estágio seguro para investir nessa classe de ativo.
Quando estamos entrando na fase de boom da economia, a bolsa de valores tende a alcançar suas máximas históricas. As ações estão caras em relação ao seu valor intrínseco e os investidores começam a ficar gananciosos. É possível ver um aumento no número de pessoas físicas querendo enriquecer rápido. Esse é um dos estágios mais perigosos para se investir em bolsa.
Ficar fora desse mercado ou começar a considerar ativos de proteção de carteira é uma alternativa. Ativos de proteção de carteira são Ouro, Bitcoin (embora investidores mais tradicionais não considerem) e puts de índice de bolsa.
Em estágio de depressão econômica, a bolsa está em baixa e os títulos de renda fixa passam a ser a bola da vez. Sabe o que isso significa? É o momento de maior oportunidade de se investir na bolsa. Os investidores são emocionais e o preço das ações estão muito descontados. Esse é o melhor estágio para quem quer comprar bolsa. Embora especialistas digam o contrário:
Abaixo está um gráfico do Ibovespa corrigido pelo dólar. É fácil olhar para o passado e saber apontar qual é o melhor momento para compra e venda. Grafistas fazem isso o tempo todo. Mas o problema é que bolsa de valores é cíclica e depende da economia.
Não tem como a bolsa estar em alta em uma gravíssima recessão econômica. Por conta disso, é plausível utilizar a TACE para poder ter um posicionamento melhor no mercado.
Quando saber que estamos chegando na crise?
Existem vários indicadores que podem mostrar a mudança de cenário: crescimento do PIB, índice de produção industrial, PMI (Purchasing Managers’ Indexes), taxas de juros, geração de postos de trabalho. Esses são números que os mercados já acompanham, mas geralmente o “game changer” não tem como adivinhar.
Pode ser a quebra de um banco em Singapura, pode ser uma guerra na Líbia, calotes de financiamentos de imóveis em Amsterdam, não temos como controlar isso, só como nos preparar para o evento.
É realmente muito difícil saber o momento exato em que entramos em uma crise. Talvez o maior obstáculo da TACE seja de fato colocá-la em prática, porque o economista austríaco tende a ficar enviesado em suas análises e muitas vezes se antecipar demais ao movimento.
Onde o Brasil se encontra no ciclo?
O Brasil está finalmente começando a caminhar para uma situação que possa possibilitar crescimento econômico sustentável. Quem entrou na bolsa até no meio do ano passado conseguiu boa rentabilidade. Ainda dá para ganhar dinheiro na bolsa, mas o sarrafo está aumentando.
Apesar de estarmos (Brasil) em começo de ciclo, a economia mundial parece estar chegando ao final dele. Estão injetando liquidez para tentar fazer a roda da economia girar, as taxas de juros estão negativas na Europa e as ações estão cada vez mais caras.
Embora o Brasil seja “anticíclico” até o momento (grande parte do mundo cresceu nessa década), uma recessão econômica com certeza afetaria nosso mercado acionário. A questão é que algumas publicadoras estão vendendo assinatura de relatórios como se fôssemos passar por um grande ciclo de alta. Não é tão fácil assim.
O risco de recessão da economia mundial é real, os índices estão piorando e os governos estão retomando o programa de Afrouxamento Quantitativo para tentar aumentar a atividade econômica (demanda agregada). Isso pode amenizar a situação por 2 ~ 3 anos, mas ainda assim, a recessão é uma tendência diante do fraco crescimento da economia mundial.
Apesar de estarmos com uma boa reserva em dólares (mais de R$ 1 trilhão), vamos sofrer bastante caso essa recessão aconteça. Nossa economia ainda está fragilizada e não possui um mercado interno forte o suficiente para absorver os impactos de uma recessão global como foi em 2008. O endividamento do governo está alto (77,3% do PIB), o que diminui a margem para aumento de gastos públicos, assim como para políticas fiscais.
Conclusão
A Escola Austríaca tem uma teoria que aborda de forma satisfatória os efeitos da moeda, do capital e dos juros sobre a economia e o mercado de capitais. Ela é excelente para analisar ciclos econômicos passados e dar um olhar macro sobre a situação de hoje.
Contudo, a sua maior limitação talvez seja o timing. Os economistas austríacos tendem a ficar enviesados em sua análise, isto é, bastante pessimistas. Esse viés pode fazer com que alguns se adiantem demais, podendo incorrer em prejuízo a curto prazo. Mas ainda assim, é uma teoria econômica que fornece todo um aparato para auxiliar em investimentos e posicionamento de mercado.
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