Como um único trader gerou uma crise de quase US$ 1 trilhão no mercado de ações americano

O Flash Crash da Bolsa de Nova York foi um episódio marcante da bolsa de valores norte-americana. Se você é investidor ou faz operações com frequência na bolsa de valores, vai entender o quão curioso e estranho foi esse acontecimento.

Imagine a seguinte situação: Você está com seu home broker aberto, acompanhando o andamento das cotações de seus ativos, até que a bolsa de valores começa a cair massivamente.

Em um intervalo de aproximadamente 10 minutos os preços de diversas ações simplesmente derretem e o principal índice, que aqui no Brasil seria o Ibovespa, cai cerca de 9%. Provavelmente você ia tentar entender o que estava acontecendo, mas o pior disso tudo, é que ninguém tem nenhuma explicação relevante que pudesse explicar aquilo.

Depois de pouco tempo os preços voltam ao normal, como se nada tivesse acontecido, de forma rápida e simplesmente enigmática, de modo que ninguém consegue dizer o que acabou de ver.

Um episódio totalmente inesperado

O cenário político e econômico do país não demonstrava nenhum acontecimento naquele dia que pudesse causar tal variação nos preços, embora com a magnitude de um fato que derrubasse as bolsas desse modo, dificilmente os preços voltariam ao patamar anterior de forma tão repentina.

Veja também: Naji Nahas: o trader que quebrou a Bolsa do Rio

Tudo começou quando o índice Dow Jones caiu cerca de 1000 pontos rapidamente, o que representou até aquele período sua maior queda até então. Cerca de US$1 trilhão simplesmente sumiu da bolsa de Nova York nesse evento, mas recuperou-se cerca de 70% desse valor logo após o episódio.

Uma queda de 9,2% do índice Dow Jones pode ser melhor visto no gráfico intraday do flash crash:

flash crash

Não só o índice Dow Jones, mas também o S&P 500 e Nasdaq derreteram seus preços em questão de minutos. A queda relâmpago começou no dia 6 de maio de 2010, por volta das 14h42 e durou cerca de 40 minutos de tensão e pânico para quem acompanhava o mercado naquele momento.

A seguir, podemos ver de forma gráfica o comportamento do índice S&P 500 nesse momento:

flash crash

Naquele dia, o mercado asiático amanheceu operando de forma bastante tranquila e sem surpresas. No cenário global, os investidores acompanhavam de perto o episódio das eleições britânicas, e no ar havia muitas incertezas em relação à crise que vivia a Grécia até então.

Além disso, havia uma certa apreensão em relação aos tremores ocorridos nos países periféricos da Europa, que por sua vez, tinham dificuldades para refinanciar suas dívidas. As pressões sobre o mercado americano com todos esses fatos, deixava o mercado um tanto quanto tenso naquele dia. O que não se esperava, é que os índices teriam uma queda livre de uma hora pra outra.

Ações de empresas gigantes despencam

Por volta das 14h45, ações de grandes empresas consolidadas no mercado americano simplesmente derretem. Ações da P&G, por exemplo, chegou a cair de US$62 para US$39, uma queda de cerca de 37% em 10 minutos, como podemos no gráfico a seguir:

Os preços das ações da Accenture, proporcionaram um dos resultados mais surpreendentes da bolsa de valores naquele dia. Em questão de minutos, o preço de cada ação saltou de aproximadamente 42 dólares para 1 centavo de dólar, praticamente zerando o preço do ativo durante um curto período de tempo, como podemos ver no próximo gráfico:

As ações da Apple, desabaram cerca de 20% e a média para a queda nos principais índices da bolsa de valores dos EUA foi de 5% a cada 2 ou 5 minutos. Todos esses fatores, são totalmente incomuns até mesmo para um cenário de catástrofe, por conta da velocidade que tudo ocorreu.

O impressionante disso tudo foram os casos de ações como da Accenture. Muitas empresas chegaram a simplesmente despencar 90% muito rapidamente, e sem nenhum motivo aparente, o que deixou os acionistas dessas empresas simplesmente atônitos.

Gregg Berman, que trabalhou durante anos dentro em Wall Street e ajudou na supervisão do órgão americano SEC nas investigações do caso do Flash Crash, afirmou que mesmo 2 ou 3 horas depois do ocorrido, os investidores não tinham a mínima ideia do que havia ocorrido, e se perguntavam como era possível que algumas ações tivessem sido negociadas a 1 centavo.

Veja também: Bernie Madoff: o maior piramideiro da história

Os mercados tiveram dificuldade em processar os dados nos sistemas com a cotação correta dos ativos, dessa forma, o que aparecia na tela aos investidores estava desatualizado em alguns segundos. Alguns desses atrasos na entrega dessas informações chegou até 36 segundos, mas acabou passando batido pela maioria das pessoas.

Os mistérios por trás do acontecido

Após o dia do ocorrido, demorou cerca de 5 meses para que as investigações pudessem se iniciar. Uma grande equipe multidisciplinar precisou se juntar primeiramente para reconstruir todo o acontecido, até que as causas pudessem finalmente serem procuradas.

Afinal, quem ou o que seria responsável por esse acontecimento tão impressionante? A princípio, algumas hipóteses começaram vir à tona, como, por exemplo, que alguma ordem muito grande de venda de 75 mil mini contratos de uma empresa teria causado aquele problema, cujo valor era de aproximadamente US$4,1 bilhões.

As acusações iniciais eram sobre Waddell & Reed, que era um fundo de investimento do Kansas City. Durante algum tempo, a própria SEC (Securities and Exchange Commission), que é a agência responsável por regular e proteger o mercado de capitais nos EUA, acusou o fundo de ser o responsável pelo caso.

Anos de investigações, e descobriu-se que, na verdade, os relatórios iniciais feitos pela SEC estavam todos errados. Somente no ano de 2015 é que foram saber de toda verdade por trás do Flash Crash.

O personagem por trás do Flash Crash de 2010

No dia 21 de abril de 2015, o Departamento de Justiça dos EUA acusou criminalmente um rapaz que morava no subúrbio de Londres, como responsável pelo acontecido na Bolsa de Valores americana em 2010.

Se tratava de um operador de alta frequência do mercado financeiro que tem por nome Navinder Singh Sarao. O rapaz de 36 anos, acabou sendo acusado de fraude e manipulação de mercado.

Localizado no meio da próxima imagem, Navinger Sarao confessou ser o responsável por tudo que tinha acontecido.

navinder sarao
Fonte: Imagem retirada de Bloomberg.

 

Ele utilizou-se de um programa automático de operações, no qual gerou grandes ordens de vendas de ativos, cancelou todas elas e comprou todos os contratos com preços baixíssimos para se beneficiar quando esses preços subissem novamente.

O método de Navinder Sarao foi utilizado durante anos por ele, e acabou lhe rendendo aproximadamente US$70 milhões. Após ter sido condenado, Navinder acabou terminando sua jornada em apenas 1 ano de prisão domiciliar e voltou para a casa de seus pais.

Veja também: Uso de criptomoedas em crimes diminui drasticamente

A condenação mais branda ocorreu em meio ao fato de Sarao ter diagnóstico de autismo. Além disso, passou a cooperar com o governo americano, num auxílio de encontrar novos possíveis casos de fraude na bolsa de valores.

Navinder Sarao, na época que manipulava os mercados, vivia em seu quarto, na casa de seus pais, onde realizava todas as operações por robôs. Apesar de ter ganhado dezenas de milhões de dólares, o rapaz não contava a mais ninguém de sua família, e seguia sua vida de forma simples e sem luxos.

O problema é que mesmo após ter ganhado todo esse dinheiro, ele deixou toda essa fortuna nas mãos de investidores vigaristas que lhe prometiam ganhos incríveis. Sarao acabou caindo em um golpe, perdendo tudo que tinha.

Seus advogados só descobriram esse último fato por conta da fiança que Sarao foi condenado a pagar inicialmente para sair da prisão de US$5 milhões, ao qual ele não tinha mais em suas mãos.

Conclusão

Sem dúvida o episódio do Flash Crash vai ficar na memória de muitos investidores, não só pelo colapso sem explicação que aconteceu durante alguns minutos na maior bolsa de valores do mundo, mas também por toda repercussão e mistério que o caso trouxe.

A forma como o caso aconteceu, inclusive causando atrasos nos dados que a bolsa de valores americana fornecia aos investidores, expôs um ponto frágil sobre ela em relação a atual tecnologia de operações por robôs e algoritmos.

Navinder Sarao acabou se tornando um personagem importante para a bolsa de valores mundial, de modo que seu caso estimulou as discussões para o desenvolvimento de metodologias para proceder ou evitar mais acontecimentos como estes no futuro.

Total
28
Shares
[activecampaign form=5]
Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Related Posts