A disputa é antiga, mas até hoje se estende nos tribunais. Quem trabalha no setor de criptomoedas sabe que os bancos brasileiros fecham as contas de corretoras alegando o famoso “desinteresse comercial”, impedindo que elas recebam depósitos de seus clientes.
Além disso, não são só as corretoras que sofrem com os bancos. Pessoas Físicas que negociam criptomoedas também têm suas contas encerradas quando o banco vê vínculo significativo com essa atividade.
Recententemente, o CADE (Órgão responsável por combater formação de monopólios) não viu nenhum problema nisso e autorizou que o Bradesco pudesse ter amparo legal para fechar a conta de uma grande corretora brasileira.
Mas por que isso acontece? Os bancos simplesmente odeiam o Bitcoin? A resposta não é tão simples. É preciso parar para analisar as atividades de uma corretora e as preocupações dos bancos com suas diretrizes de segurança no combate à lavagem de dinheiro.
Como funciona uma corretora de Bitcoin?
A entrada e saída de dinheiro do mercado de criptomoedas ainda é bastante dependente de bancos e corretoras, que funcionam como os principais meios para isso. Hoje, esse processo funciona da seguinte forma:
1- Cliente envia dinheiro por TED ou DOC;
2- Corretora credita o saldo;
3- Cliente compra criptomoeda.
Logo, uma corretora pode receber milhares de depósitos e fazer milhares de saques em apenas 1 dia de operação. Esse montante de transações não demora para chamar atenção do banco, que irá buscar entender a razão dessas movimentações. Quando percebem o ramo da empresa, normalmente optam pelo fechamento da conta.
As corretoras, normalmente, realizam um processo de KYC (Conheça seu Cliente) para averiguar cada um de seus clientes e evitar lavagem de dinheiro com Bitcoin. Esse processo não é exigido por nenhuma lei em específico, mas ainda assim, ele é adotado para evitar maiores riscos para a empresa.
A preocupação com a lavagem de dinheiro também é alta entre os bancos. Afinal, ninguém quer ter seu negócio envolvido com dinheiro de origem ilícita. Essa preocupação e preconceito, aliás, são osprincipais motivos para o encerramento das contas de corretoras.
O lado dos bancos
Infelizmente, muitas pessoas ainda associam Bitcoin com lavagem de dinheiro, mesmo que ele seja uma das piores opções para isso. Afinal, não há “sigilo bancário” com as transações de Bitcoin, logo, um criminoso estaria criando provas contra si mesmo se utilizar o ativo para este fim.
Outro problema também é a existência de esquemas de pirâmide que se promovem utilizando criptomoedas, o que causa grande prejuízo para as empresas idôneas do setor, criando ainda mais dificuldades para estabelecer uma relação de confiança.
Apesar de corretoras terem políticas de KYC e mecanismos para combater lavagem de dinheiro, esses esforços parecem não impressionar o CADE, que também revela preocupação com a natureza anônima das criptomoedas na justificativa de sua decisão para o STJ:
“Ademais, a falta de uniformidade na aplicação de políticas de PCLD por parte das corretoras reforça a racionalidade por trás dos encerramentos de contas de algumas corretoras de criptomoedas, haja vista que ela coloca em risco a segurança dos bancos aqui representados.
(…) Portanto, a SG concorda com as alegações dos representados que atividades relacionadas às criptomoedas podem conter risco alto, independente da ausência de regulação, mas inerentemente ligado às possibilidades que envolvem criptomoedas, como exemplificado acima, como anonimato total de seus portadores, de transferências internacionais, de fraudes, de pirâmides financeiras e até mesmo que atividades relacionadas a negociação de criptomoedas venham a ser criminalizadas.”
Além disso, não existe clareza jurídica sobre a negociação de criptomoedas no Brasil. Embora não seja proibida a negociação desses ativos, ainda estamos em uma área cinzenta em relação à definição e normais legais.
No entanto, a tendência é que esse mercado se torne cada vez mais regulado, uma sinalização disso foi IN 1888, que obriga corretoras a reportar transações de clientes para a Receita Federal.
Nem todos os bancos pensam assim
A maioria dos bancos brasileiros não tem interesse em manter contas abertas para empresas de criptomoedas. No entanto, alguns bancos realizam aberturas de contas para corretoras e fornecem tecnologia para automatizar operações de depósitos e saques através de API.
O exemplo mais notável disso é a relação entre o Silvergate Bank e corretoras internacionais (Gemini, Bitstamp, Coinbase, Kraken e bitFlyer), arbitradores, investidores, fundos e startups de criptomoedas.
O Silvergate “bancariza” o setor de criptomoedas e permite que essas corretoras tenham mais liquidez para operações de mercado balcão (OTC), por exemplo. Mais recentemente, a Silvergate anunciou o lançamento de uma nova plataforma com alavancagem de Bitcoin para investidores institucionais.
Pelo que parece, a questão aqui no Brasil é que os bancos precisam entender melhor o que são criptomoedas e quais são as empresas sérias no setor. A tendência é que bancos mais novos (fintechs) entendam mais cedo. Os bancos, aliás, poderiam ganhar muito dinheiro com as empresas de criptomoedas, assim como o Silvergate faz no exterior.
Existe alguma solução para isso?
Contudo, esse processo poderá levar mais alguns anos. As corretoras brasileiras ainda são muito dependentes de bancos para sua atividade principal: cash-in-cash-out. As empresas vão continuar tendo disputas judiciais com os bancos, precisando manter suas contas abertas com liminar na justiça.
Pelo que parece, o mercado já está inovando para evitar que isso aconteça. Atualmente, já é possível depositar e negociar diretamente com outras pessoas através da BISQ (uma corretora descentralizada), mas o projeto ainda é incipiente.
Um projeto de Lei que visa regulamentar o setor de criptomoedas no Brasil também está em discussão no Congresso. Quem sabe as corretoras poderiam ter mais segurança jurídica para atuar, evitando encerramento de contas de forma unilateral. No entanto, regulamentações também têm seu lado ruim, elas tendem a matar inovações se forem muito engessadas.
Esse problema ainda será corriqueiro. O Brasil está sujeito a um forte oligopólio bancário extremamente regulamentado. A situação pode melhorar com o surgimento de novas fintechs e soluções para pagamentos, mas os bancos ainda têm muito capital e participação de mercado.